domingo, 29 de janeiro de 2012

Vô Miguel

Queridos bisnetos, netos, filhos, esposa, e meninos do time da escola,

hoje foi o dia em que, mais uma vez, e acredite em mim depois dos sessenta anos isso acontece com uma frequência maior que o esperado, especulei sobre o fim de todos nós, foi dia de pensar sobre a morte. 
Essa elegante senhora de túnicas pretas e foice sempre em mãos, responsável por lembrar a todos nós que o os valores da terra nada valem, me deixou com a pulga atrás da orelha. O fato é que fiquei pensando hoje sobre o valor da morte pros que morrem. 

Vamos deixar estabelecido que essa discussão só se fez necessária porque o valor da morte pros que ficam é infinitamente conhecido e explorado, mas ninguém sabe, por motivos óbvios, o que acontece depois que a luz branca nos engole. Alguns dizem que o playground é lá, com as quarenta virgens e tudo mais... pra outros, é a condenação final, a concentração de todos os sofrimentos... pra mim é vazio. 

Vejam bem, eu até que acredito em Deus, do meu jeito torto, mas acredito. E eu certamente não descarto a possibilidade de que existam coisas infinitamente melhores pra alguns e bem piores pra outros, mas pra mim, a morte é o fim da expectativa, da espera, do medo, do prazer e de sua ausência, morte é silenciamento, e o silêncio é vazio porque nada lá pode ressoar.

Silêncio e vazio não podem ser eternos, silêncio e vazio enlouquecem, e não existiria propósito na vida se fossemos deixar a loucura pra um lugar onde ela não pode ser compartilhada, portanto, a morte é, no final das contas, um espaço entre o que você foi e o que você será. E o significado disso? "Nem tudo precisa ter significado, Vô Miguel!" Não é o que sempre me dizem?... então me dou por satisfeito.

Por fim, preciso vos dizer que não quero que pensem que sou um velho taciturno, em cima dos seus 90 anos falando asneiras sobre a morte, não, isso é a última coisa que sou. No fim, quero que saibam que, quando chegar a hora, estarei tranquilo, porque vivi, e quem vive sabe bem que a vida tem um fim. Não espero ansioso pelo meu, mas saber que ele vai chegar é ter certeza de que estou aqui, e enquanto estiver, farei jus a minha estadia. 

Chorem quando eu me for, porque é isso que os vivos fazem quando sentem saudade, mas não façam isso em voz alta: não atrapalhem o meu silêncio.

Miguel Lauro D'arantes,
bisavô, avô, pai, marido e zagueiro do time da escola.

2 comentários:

  1. O importante é viver sempre, em tudo. Pois para mim é, também, isso. Um vazio, uma mistura de nada com nada. E vazio. Nada mais. E prefiro nem pensar... no nada. Um abraço.

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  2. A morte é assim mesmo... silenciosa...

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