quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Caixinha

Era uma pequena caixinha em cima de uma mesa de tamanho médio, nada extraordinário, nada fora do comum. Mas foi preciso apenas que lhe dissessem que não podia nunca abrir aquela pequena caixa, pra que tudo se transformasse: de um momento pro outro, aquela pequena caixa de madeira, sem tranca, sem nada, virou a sua melhor amiga, companheira de aventuras, dessas que você pode confiar mesmo. 

Se ela virasse uma pirata, a caixinha era o baú do tesouro. Se uma invasão alienigena se aproximasse, dentro daquela caixinha estava a fonte de energia que ia salvar o mundo de um enorme colapso. E naqueles dias em que ela virava agente secreta, dessas que guardam uma arma no tornozelo e tem dispositivos de alta tecnologia escondidos em relógios e colares, era na caixinha que ela podia guardar os segredos de estado: só ali as coisas estariam de fato seguras. 

Quando as brincadeiras foram deixadas pra trás, a caixinha mudou de lugar, ganhou um espaço bem bonito na prateleira do quarto. Sua mãe queria jogar fora, mas ela não podia deixar sua companheira de aventuras ir embora, então ficou ali, entre os porta-retratos e os ursinhos de pelucia, já sem o brilho do verniz, com a quina lascada por conta de um tombo, apoiada em cima de dois diários velhos. Mesmo assim, quase aposentada, a caixinha ainda tinha forças pra desempenhar o seu papel de melhor amiga: na primeira vez que aquele garotinho estúpido da sétima série disse que ela não era bonita o suficiente, olhar pra'quele cubo de madeira foi o suficiente pra pensar: "Quem se importa com o que ele pensa? Já fui pirata, agente secreta e já salvei o mundo de um colapso intergaláctico... não vai ser por um bobalhão desses que eu vou sair do eixo." E então no dia seguinte, lá estava ela, de laço de fita no cabelo, com a graça de uma princesa, fazendo com que o atrevido rapaz do dia anterior se arrependesse de cada palavra. 

E houveram outros rapazes, alguns completamente adequados, outro nem tanto... mas sempre que eles iam embora, a caixinha estava ali pra salvar o dia com as suas linhas perfeitamente retas. Foi promovida, de fato, quando chegou a hora de passar no vestibular, a prateleira se encheu de livros, os ursinhos de pelúcia foram parar no armário, e a caixinha na mesinha de cabeceira. Assim ficava mais fácil de ouvir seus conselhos. 

Então um dia, após o outro, a menina se transformou em mulher, era agora formada, pensava em se casar, já tinha até encontrado o alvo de suas fantasias românticas, e quando o grande dia chegou e sua mãe, mais uma vez, tentou fazer com que ela deixasse a caixinha pra trás, ela bateu pé e conseguiu assegurar que a maravilhosa caixinha fosse junto com ela nessa nova viagem. Infelizmente a caixinha não pode ir ao casamento, perdeu uma bela cerimônia, de fato... mas nada que pudesse abalar uma amizade tão forte. 

Um dia, depois de muito chorar, tomar coragem de entrar na farmácia, pegar impaciente aquele teste de gravidez e correr pra casa o mais rápido possível, ela pode contar, mais uma vez, com aquela caixinha de aparência antiga. Foi a primeira a saber que a nossa menina, traria uma criança à Terra...e meses depois, também foi a primeira a saber que seria uma adorável menininha. Entretanto, nossa história se aproxima de um ponto muito delicado, pois vejam: não é que a nossa protagonista não tenha tido fé, muito pelo contrário, ela sempre acreditou cegamente naquela caixinha. Mas passados vinte e tantos anos, sentiu-se autorizada a saber quais segredos sua amiga realmente escondia, quer dizer, ela seria mãe agora, e assim como a sua própria mãe, tinha o direito de saber dos segredos que os filhos não podem acessar. 

Então furtivamente, como quem rouba um diário e tem medo de ser descoberto, ela pegou aquela caixinha em suas mãos, abriu devagar, e teve que fazer um pouco de força, porque era óbvio que ninguém a abria há muitos anos. E o que ela viu lá dentro a deixou pasma, ela não podia acreditar em seus olhos, e no primeiro impacto quis gritar: não tinha nada dentro daquela caixa de madeira. E de repente, toda sua vida pareceu uma mentira, não era pirata, nem agente secreta, nem tinha salvo o mundo. Não tinha confiança em si mesma e a única coisa que considerava verdadeira em sua vida, tinha se revelado mais um espaço onde reina apenas o vazio.

E muita gente pararia nesse ponto, pra mim, a história teria terminado aqui também. Mas a nossa heroína era mais sábia do que nós poderíamos imaginar. Vejam só vocês que, depois de tanto choro, quando a nossa menina quase pegava no sono, a caixinha falou com ela outra vez. Muito indignada, é claro, por depois de todos esses anos ter sido rebaixada a 'nada', era ultrajante demais até para uma caixa de madeira sem o brilho do verniz e com a quina lascada. Ela não ia aceitar isso, depois de todos esses anos servindo de portal para uma das mais ricas, palavras da caixinha, imaginações do mundo, tinha que ouvir agora todo esse choro patético sobre uma pobre menina que não consegue aceitar os seus dons?! Era demais, até pra uma caixa. 

A nossa menina percebeu, então, que aquela caixinha de madeira não era nada demais, é claro que não, se não fosse por ela mesma ter dado tantos novos sentidos pra ela. Quando seus pais disseram que ela não devia abrir aquela caixinha, talvez por medo de que ela prendesse o dedo naquela tampa pesada, abriram um mundo de possibilidades que, de outra forma, estariam inacessíveis.

E pra quem demanda finais felizes, eu não posso vos dar essa noite... mas o melhor que farei será acusar pra onde a nossa história segue: refeita de sua crise de choro, nossa menina recolheu sua caixinha e voltou e fechá-la, levantou com toda a dificuldade que os últimos meses de gravidez impõe a uma mulher e caminhou até o quarto delicadamente decorado de lilás e branco. Pousou a caixinha devagar sobre a mesa ao lado do berço, e ficou ali por alguns minutos... só tentando imaginar em quais aventuras a nossa próxima pirata, agente secreta ou salvadora do mundo poderá se meter. 

Um comentário:

  1. Amei seus textos, especialmente esse! Acho que todo ser humano precisa de uma caixinha dessas que dê inúmeros sentidos à sua vida...

    beijos

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